segunda-feira, 2 de julho de 2012

Jacopo Tintoretto


Jacopo Robusti (seu pai era tintureiro. Tintore em italiano, e o pintor ficou conhecido como Tintoretto) foi o maior pintor que Veneza conheceu, depois de Ticiano. Nasceu na ilha-república e raramente saiu de suas prais, restringindo seus interesses à vida familiar e à arte. Foi grandemente influenciado para efervescência do movimento religioso da Contra-Reforma e buscou, por meio de sua arte, concretizar uma visão altamente subjetiva e pessoal, que se recusava a ficar presa às regras renascentistas do equilíbrio formal e do naturalismo. Mestre do desenho, fascinado pelo corpo humano em movimento, criou uma quase infinita coleção de poses e gestos dramáticos e dinâmicos. Suas violentas distorções e a maneira original com que utilizava as cores dão a seu trabalho um tom quase alucinatório, antecipando o Barroco e o Maneirismo.

Conta a lenda que nas paredes do estúdio de Tintoretto estava escrito o seguinte slogan: “O desenho de Michelangelo e as cores de Ticiano”.
Mas deve-se tomar cuidado em interpretar o papel dessas duas figuras máximas da geração que precedeu Tintoretto na arte desse pintor: elas serviram mais como ponto de partida do que propriamente como modelo de estilo e técnica. Tintoretto permaneceu como um dos mais determinados individualistas, para quem cada nova conquista técnica prestava-se à evolução de um estilo cada vez mais singular.

Ao contrário de Ticiano e Michelangelo, Tintoretto era muito menos um produto da Renascença acadêmica do que da espiritualidade efervescente da Contra-Reforma. Podemos ver algumas das qualidades que o tornaram diferente de seus antecessores em seu primeiro grande sucesso público, São Marcos Salvando um Escravo. Aí, a serenidade do estilo de Giorgione e de Ticiano é abandonada em favor de um traço violento, que expressa o carateer sobrenatural do milagre.
A dramática inversão do Santo é um notável exercício da técnica de aproximação. A força da figura é demonstrada pelo conjunto da composição, com figuras contorcidas, flagradas em pleno movimento. O que Tintoretto queria mostrar aqui era o abalo causado pelo milagre.


Segundo contam seus biógrafos, Tintoretto modelava figuras em cera e as colocava num palco de madeira, no meio de velas dispostas nos mais variados ângulos. Em seguida, levava o cenário a um aposento escuro e ascendia as velas, daí desenhando a cena em miniatura. Dessa maneira, ele conseguia captar o efeito global do arranjo das figuras, e juntá-las por meio do uso de uma iluminação originalíssima.
Tintoretto não estava interessado em captar a “aparência natural” das cenas. Em seu trabalho, seres inspirados nas figuras heróicas e musculosas de Michelangelo são contorcidos numa variedade de poses carregadas de emoção, muitas vezes alongados além das possibilidades reais da natureza. Em Tintoretto, a coloração rica que lembra Ticiano é distorcida por gritantes contrastes de luz e sombra, como se a cena estivesse iluminada por seguidos relâmpagos, num clima de alucinação.
Estes exageros de movimento e luz não serviam apenas para provocar efeitos de impacto. À medida que sua carreira se desenvolvia, as composições de Tintoretto tornaram-se incrivelmente complexas. Ele concentrava toda uma ação num ângulo oblíquo para o espectador, ou estabelecia grandes contrastes entre primeiro plano e fundo. Um mínimo detalhe no canto de uma tela às vezes ganha destaque por estar fortemente iluminado, realçando suas cores brilhantes, em oposição ao resto do quadro, relegado à sombra. Aquilo que começou como um pequeno arranjo de figuras de cera sobre um minúsculo palco de madeira acabou se transformando em algo que jamais poderia ser apresentado num teatro real em três dimensões: tornou-se um drama desempenhado num espaço misterioso de infinita profundidade.


Apesar do forte clima fantástico, Tintoretto insistia em incluir em quase todas as suas obras uma infinidade de detalhes do mundo cotidiano. Para alguns críticos contemporâneos, esses detalhes eram mais chocantes do que as próprias e terríveis distorções em sua pintura. Um deles condenou sua A Última Ceia (na Igreja de São Trovaso) por achá-la “reduzida a um banquete comum”. Mas Tintoretto fazia questão de pintar com amor tanto uma simples cesta de pão como uma mesa de madeira, ou as tranças de uma mulher, os pregos e a madeira do crucifixo, ou mesmo a cera que pinga da vela. Para ele, tais detalhes eram tão importantes quanto as figuras sagradas dos santos e dos anjos. O pintor encontra o mistério divino no próprio realismo dos objetos comuns.

Embora Tintoretto tenha recebido bastante ajuda de seus assistentes de estúdio, em suas maiores obras, particularmente aquelas da Escola de São Roque, sua marca pessoal é claramente reconhecível. A pincelada livre, solta, que Ticiano havia introduzido, tornou-se como que a caligrafia de Tintoretto. Alguns críticos qualificavam-na de áspera e incompleta. Mas essa qualidade “inacabada” concedeu à obra de Tintoretto um ar de frescor e modernidade, antecipando os impressionistas que viriam séculos depois.
Nos últimos trabalhos de Tintoretto, essa tendência é levada ao extremo. A pincelada é rápida e brusca: a cor, fragmentada em fios de luz, e as figuras mais alongadas e acrobáticas que nunca. Algumas de suas obras finais consistem de uma interação de sombras com as partes mais iluminadas e são pintadas quase exclusivamente em uma cor só. Sempre que perguntado sobre suas cores preferidas, Tintoretto respondia: “Preto e branco, porque dá força à forma, modelando sua sombra, e o outro a atenua, pela luz”.


Tintoretto foi um artista do comprometimento e da paixão. Embora fosse um exímio retratista e habilidoso decorador de grandes superfícies, era antes de tudo, um pintor visionário dos dramas religiosos. Em sua busca pela verdade do espírito, ele estava preparado para ir contra os cânones da forma, contra as noções de realismo e de acabamento, e era capaz de distorcer e até mesmo desfigurar o corpo humano, dominando um estilo único e inconfundível.

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