Vermeer teria realmente existido? Esta questão persistiu durante muito tempo, devido à escassez de dados a seu respeito. São tão vagos esses sinais de sua existência que não permitem traçar um perfil claro de sua figura, reduzida ao contorno de uma silhueta.
Dele — cujo prenome Johannes ou Joannis costumava-se abreviar para Jan — há um primeiro registro: seu batismo, em 31 de outubro de 1632, na cidade de Delft, onde nasceu. Era o segundo filho de Reynier Janszoon e Digna Balthasars. Quando estava com quinze anos, seu pai adotou o sobrenome de Van der Meer ou Ver Meer, pelo qual seria conhecido. Reynier fora tecelão de seda, dono de uma estalagem e também comerciante de arte.
A Alcoviteira
Delft, onde Vermeer viveria sempre, era na época a quarta maior cidade da Holanda: próspera, tranqüila, tinha uma área central particularmente pitoresca, dominada por construções medievais e telhados de ângulos agudos. A cidade possuía uma tradição pictórica que remontava ao século XV, mas que já se encontrava em franca decadência quando Vermeer nasceu. Felizmente, porém, vários pintores talentosos ali se estabeleceram por volta de 1650, fazendo com que a carreira de Vermeer coincidisse com um breve período de ouro da pintura de Delft.
No entanto, não se sabe quais teriam sido seus mestres. Leonaert Bramer foi um dos apontados como provável, já que passou a maior parte de sua vida trabalhando em Delft, e sabe-se de uma ligação documentada entre ele e Vermeer: Bramer teria intercedido em favor do jovem quando sua futura sogra, Maria Thins, recusou-se a lhe ceder sua filha Catharina Bolnes em casamento. Bramer era um artista menor, ainda que lembrado por suas cenas noturnas, e seus quadros escuros e repletos de figuras nada têm em comum com os de Vermeer. Há ligações estilísticas mais evidentes que o aproximam de Carel Fabritius, aluno de Rembrandt, que se transferira para Delft por volta de 1650. O fato de que Fabritius tenha compartilhado com Vermeer o interesse pela experimentação óptica também reforça essa relação entre eles. Há outro indício: Fabritius morreu vítima da maior catástrofe que se abateu sobre Delft, quando um paiol de pólvora explodiu em 1654, destruindo parte da cidade. A morte de Fabritius motivou um editor local a compor um poema em sua homenagem, cujo último verso menciona Vermeer: "E assim este Fênix se extinguiu, para nossa perda, do alto de seu poder. Mas, felizmente, de suas chamas emergiu Vermeer, que seguiu seus passos com maestria". Esta afirmação não pode dar a noção exata do relacionamento de ambos, mas demonstra que os dois pintores estavam de algum modo associados perante a opinião pública. Pode-se também deduzir que nessa época Vermeer já era conhecido por seus contemporâneos.
RESPEITADO EM SEU TEMPO
Muito jovem ainda, em 29 de dezembro de 1653 ele se tornaria mestre da Guilda de São Lucas, em Delft. No início daquele ano desposou Catharina Bolnes. Como a jovem provinha de uma classe social mais elevada, sua mãe, rica e divorciada, opunha-se à união; só a interferência de Bramer e de outros cidadãos respeitáveis da cidade fez com que ela mudasse de idéia, convencendo-a do talento e das boas perspectivas do pretendente. O casal teve onze filhos, mas nenhum foi retratado pelo pai; no entanto, é muito provável que Catharina tenha servido de modelo para quadros como A Mulher de Azul Lendo uma Carta. Catharina era católica e é possível que Vermeer tenha se convertido à sua religião. Acredita-se ainda que, exatamente por isso, seu casamento religioso tenha sido clandestino, pois eram católicos num país recentemente liberado da tutela espanhola e radicalmente luterano; o catolicismo, então, era associado aos dominadores hispânicos e odiado por isso.
Vista de Delft
O pai de Vermeer morrera no ano anterior a seu casamento e tudo leva a crer que o filho tenha assumido a direção da estalagem, continuando a viver em "Mechelen", como se chamava a propriedade. Ele também precisava de uma fonte de renda complementar à da pintura para sustentar sua numerosa família. E é ainda provável que tenha prosseguido nos negócios de arte iniciado pelo pai, porque chegou a adquirir fama de connoisseur: em 1672 Vermeer estava em Haia (é a única vez que se tem registro de sua saída de Delft) para atuar como testemunha-perito numa discussão sobre a autenticidade de uma série de pinturas italianas. E segundo documentos ele teria severamente declarado que "não só não se tratavam de pinturas italianas notáveis, mas, ao contrário, eram exemplares de puro lixo".
O Estúdio do Artista
Vermeer deve também ter sido uma figura respeitável entre os artistas de Delft: depois de ser eleito para a diretoria da guilda, foi seu presidente por duas vezes, em 1662 e 1670. Além disso, um aristocrata francês diletante de arte, Balthasar de Montconys, que esteve na cidade em 1663, espantou-se com os "preços altíssimos" obtidos por seus quadros entre colecionadores holandeses. Na verdade, suas pinturas eram adquiridas tanto por colecionadores como oferecidas para saldar dívidas da família. Há também evidências de que Vermeer teve um mecenas, Jacob Dissius, que conservava em seu poder 19 trabalhos do pintor em 1682, sete anos após sua morte.
MORTE E ESQUECIMENTO
Apesar de tudo, Vermeer enfrentou dificuldades financeiras; em 1672 teria sido obrigado a alugar sua casa e se transferir com a família para a residência de sua sogra. Ainda nesse ano, a Holanda foi invadida pelo exército francês e, embora a força de ocupação tenha sido rapidamente expulsa, a crise econômica que se seguiu iria provocar um colapso no mercado de arte. Um colapso que agravou irremediavelmente a situação já instável do endividado pintor.
Data de 1675, por fim, um último registro oficial: sua morte, em 15 de dezembro, aos 43 anos. Deixava oito filhos menores e uma esposa à beira da miséria, mas decidida a salvar as obras do marido. Quando, pouco depois, foi declarada a falência de Catharina, ela conseguiu esconder quadros dos credores; mais tarde, chegou a um acordo com seu padeiro: poderia readquirir, com quantias mensais, obras que Vermeer lhe vendera em momentos de extrema dificuldade. A dona de um açougue, a quem Catharina devia também, mostrou-se compreensiva e lhe devolveu 26 telas.
A Rendeira
Depois de sua morte pairou sobre o nome de Vermeer um esquecimento imperdoável, que só seria desfeito pela crítica dois séculos depois, quando o perito francês Thoré-Bürger lhe atribuiu 76 telas — embora o número reconhecidamente autêntico oscile hoje entre 35 e 21. Não há, portanto, unanimidade em relação a todos os trabalhos que integram as maiores galerias do mundo. O excepcional valor do trabalho de Vermeer também teve o reconhecimento e a admiração incondicional do escritor francês Marcel Proust, que exaltou suas pinturas no romance Em Busca do Tempo Perdido. A pessoa de Vermeer, porém, ainda permanece como o próprio Proust definiu: "um enigma numa época em que nada se parecia com ele nem o explicava".
Vermeer viveu num momento agitado por guerras. A Holanda, além de conquistar seu território ao mar, conquistava também sua soberania nos campos de batalha, enfrentando a Espanha, a França, a Inglaterra, a Suécia e a Dinamarca. Paradoxalmente, porém, nenhum traço de perturbação ou de desordem parece agitar seus quadros. Delft era uma ilha de tranqüilidade burguesa em meio ao recrutamento dos jovens holandeses para defesa da nacionalidade.
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